Análise Casegas, por exemplo…

Arnaldo Saraiva, professor jubilado da Universidade do Porto

Como tantas outras através do país, esta aldeia beirã, formada provavelmente no tempo do rei Povoador, teve longos séculos de dinamismo, antes de correr o risco, nestes últimos anos, de se transformar numa aldeia fantasma…

Correm diferentes teorias sobre a origem do topónimo Casegas : uma dá-o como resultante da junção de um nome comum, casa, e de um sufixo diminutivo de ressonância castelhana (“do espanhol casegas, casinhas, que se lê cacegas” — escreveu em 1907 Pedro Augusto Ferreira) ; outras dão-no como a associação de um nome próprio (Egas) a um nome comum — que para alguns estudiosos veio por intermédio do leonês cas, para outros veio directamente do latim casa, e para outros de casal, havendo ainda divergências na admissão ou não de uma antiga relação (de propriedade ou posse) entre os dois nomes, feita à custa da preposição “de”, com ou sem elisão : cas / casa / casal Egas, ou cas / casa / casal de Egas / d´Egas.

A primeira teoria, que ainda é admitida num dos últimos dicionários toponímicos, o de A. de Almeida Fernandes, publicado em 1999, parece pouco defensável ; o sufixo diminutivo -ejo, que no masculino e no feminino, no singular e no plural os espanhóis tendem a pronunciar geralmente com a vogal fechada e com a consoante sonora (como pronunciam ou pronunciamos labriego / labrego), costuma ter em português o som distinto que vemos em Castelejo, vilarejo ou lugarejo ; e em português mais ou melhor poderiam justificar-se outros diminutivos de casas, como casinhas, casitas, casotas e até casebres, com “e” tónico aberto como o de Casegas, ou caselhos, que por sinal é nome de terras caseguenses.

No tempo de Sancho I

As outras teorias parecem mais plausíveis, mesmo sem identificarmos seguramente algum Egas, donatário, primeiro ou importante residente em Casegas. E por razões de ordem fonética justifica-se mais o étimo sem a proposição : “Casal Egas” ou “Casa Egas”. ”Casal Egas”, que exigiria formas intermédias como “Casalegas”, “Casaegas” e outras, obriga a ter em conta que a principal propriedade que existia na povoação se chama ainda hoje “Chão do Casal”, e que há perto outros “casais”. Na Idade Média portuguesa, e até na região, aparecem muitos topónimos que se valem de patronímicos e do substantivo casal, bem mais do que de casa, que aliás entrou em português como cas. Se em latim popular casa definia uma habitação mais modesta do que a domus, casal, antes de definir um par, marido e mulher, definia uma pequena propriedade rural ou um pequeno povoado.

E é bem possível que Casegas se tenha formado no tempo do Povoador, o rei D. Sancho I, cuja acção administrativa ou governamental começou anos antes de subir ao trono, em 1185, e mais repercussão teve na região covilhanense quando, logo em 1186, a quis “restaurar e povoar” com a decisiva ajuda de um foral.

A ser verdade o que se lê num documento do séc. XVI, que descobri na Biblioteca Nacional e que transcreve uma “doação que fez Soeiro Fromarigues à Ordem do Templo da sua herdade em termo de Covilhã”, Casegas já existia em 1177, e, o que é de realçar, com o nome que sempre teve ao longo dos séculos, embora possa ser referido com evidentes erros de copistas ou escribas (“Casagas”, “Caregas”, “Caseguas”) e com distintas grafias : Caségas, Cazegas, Cazégas, Cacegas, Caçegas…

Em todo o caso, é possível que a povoação já existisse desde tempos bem mais remotos, pois, segundo Mário Saa, por ela passava a Via Covillianae, uma via romana (tinha por certo uma ponte romana, por certo diferente da que existe) que facilitava o comércio da lã, do carvão, do azeite e do sal, ligando a Idanha ou a Guarda e a Covilhã a Tomar ; via que ganhou acrescida importância quando Tomar se transformou em capital da Ordem Militar dos Templários, a que pertenciam várias terras da Beira, incluindo Casegas, que D. Afonso Henriques lhe tinha doado ; por outro lado, Casegas, embora situada a uma altitude de 440 m, estendia-se por um vale ou por vales férteis, bem servidos por ribeiros e ribeiras (de Casegas, do Porcim, do Paul — ou do Caia, ou da Relvas —, e outras) onde abundavam peixes, tinha bons pastos para variado gado e excelentes pomares, era cercada por bosques que favoreciam ou estimulavam a caça, e possuía um subsolo rico em volfrâmio, em estanho e em pirite.

Pela referida carta de doação, percebe-se que já no séc. XII Casegas ocupava uma área extensa, que ia até “onde faz a divisão com a Erada”, até “ao curso do Ourondo” (isto é ao curso da ribeira do Paul), e até “à serra de Cebola, até ao cimo” ; ainda hoje Casegas tem oficialmente uma área de 41,16 km2, bem maior do que a de outras terras vizinhas como o Paul, com uma área de 23,99 km2, S. Jorge da Beira, com 23,05 km2, Sobral de S. Miguel, com 22,37 km2, e Ourondo, com apenas 7,09 km2.

Talvez pela sua importância, Casegas foi uma das duas aldeias da região — a outra foi Silvares — onde D. Dinis achou por bem fazer inquirições, em 1314. E não admira que tenha sido uma das poucas terras covilhanenses a figurar no mais antigo mapa de Portugal, feito em 1561 por Fernando Álvares Seco, como figura num mapa do mesmo século que está na Signoria de Florença. Nem admira que Urbano VIII, que foi papa desde 1623 a 1644, tenha concedido uma bula, guardada em pergaminho, à confraria do Santíssimo Sacramento que em Casegas nasceu no ano de 1617.

As políticas de despovoamento

Ao longo dos séculos, Casegas foi estabelecendo relações especiais com outras terras da região : com a Covilhã, sede do seu concelho ; com Castelo Branco, sede do seu distrito ; com a Guarda, sede do seu bispado e comarca ; com o Castelejo, cujo vigário apresentava o seu cura ; com S. Vicente da Beira, de onde eram condes que foram seus donatários ; com o Paul, sede do seu julgado de paz e, mais tarde, com um posto da GNR ; com o Ourondo, que foi seu “lugar” até 31 de Março de 1841 (e com o qual por lei de 28 de Janeiro de 2013 foi obrigada a constituir a “União das Freguesias de Casegas e Ourondo”) ; com Cebola, que foi sua anexa até 12 de Junho de 1887 (e que passou a chamar-se S. Jorge da Beira em 1960) ; com Sobral de Casegas, que foi sua anexa até 28 de novembro de 1888 (e que passou a chamar-se Sobral de S. Miguel em 1970) ; e com as Minas da Panasqueira (Panasqueira, Barroca Grande, Rio), onde trabalharam muitos caseguenses.

Em documentos do início e meados do séc. XVIII há interessantes informações sobre Casegas, como por exemplo : que tinha uma igreja, cujo oráculo era S. Pedro ad Vincula (e continuou a ser depois da construção de uma nova e vistosa igreja, fora do adro inicial, que foi inaugurada em 1949) ; que tinha duas capelas, a de Santo António e a de S. Sebastião, mas também tinha “dentro do lugar a ermida do Santo Cristo”, decerto a popularmente chamada “capela das Almas”, por nela funcionar a Irmandade de que também faziam parte irmãos do Sobral e de Cebola — capelas a que se juntou bem mais tarde, já na segunda metade do séc. XX, a do Anjo da Guarda ; que a terra era rica em milho, centeio, vinho, azeite, linho, mel e cera ; que tinha dois moinhos (não há referência a lagares, nem a fornos, que também existiam) ; e que em 1758 tinha 524 pessoas grandes e 280 pequenas, quer dizer, 804 pessoas.

Poucas mais teria um século depois. Mas aumentariam muito na segunda metade do séc. XIX e na primeira do séc. XX : em 1950 Casegas tinha 1819 habitantes, em sua grande maioria agricultores ou camponeses, quando não artesãos e trabalhadores nas Minas da Panasqueira, abertas em 1896 e muito ativas nos anos 1930-50. Só que nos anos seguintes começou a diminuir dramaticamente, por causa da desvalorização das Minas, que tiveram de enfrentar a concorrência do volfrâmio chinês, e por causa da emigração em massa, dos incêndios florestais e do desinvestimento na agricultura estimulado por políticos nacionais e por dirigentes europeus irresponsáveis. No censo de 2011, Casegas aparece apenas com 425 habitantes, menos do que tinha no fim do séc. XVII (490).

No entanto, os anos do pós-guerra foram de grande progresso para Casegas, que passou a ter estradas, luz, água canalizada e esgotos ; que, além de dispor de escolas (foi aliás das primeiras aldeias do concelho a ter escola, já em 1773) e de uma Casa do Povo, passou a dispor de um Salão Paroquial, de um colégio, e, depois, de um Centro Social e Cultural, de um Centro de Cooperação Familiar, que desde 2008 é também Casa-Museu de Monsenhor Joaquim Alves Brás (caseguense que fundou a Obra de Santa Zita), de um posto dos CTT e de um posto médico, assim como passou a beneficiar das atividades de grupos culturais (banda filarmónica, grupo de futebol, grupo dos Amigos de Casegas, grupo de pauliteiros, grupo teatral “Os Polichinelos”, Associação de Caçadores, Pesca e Agricultores, etc.).

Nos últimos anos, uma aldeia com mais de oito séculos de existência, e que deve ter nascido em resultado de uma política do povoamento, corre o risco, como tantas outras aldeias portuguesas, de se transformar numa “ghost” aldeia [1], por estúpidas políticas de despovoamento, como a que se desinteressou dos problemas da natalidade, ou a que determinou falsas uniões e o fechamento de postos médicos, de tribunais e de escolas. Esperemos que nos próximos anos a antiquíssima aldeia de Casegas possa ganhar novas energias, tornando-se uma “casa” acolhedora, e não só para turistas e veraneantes, ou simplesmente uma aldeia viva onde é bom viver…

O titulo, o subtítulo e os intertítulos são da responsabilidade da redação de Notas de Circunstância.

[1] Nota da Redação : aldeia fantasma.