Reflexão Será preciso um pacto educativo ?

Eduardo Marçal Grilo, antigo ministro da Educação

O futuro do ensino em Portugal implica a negociação de um compromisso entre os principais parceiros do sector, de modo a evitar alterações permanentes que em nada contribuem para uma gestão eficiente das escolas…

Quando em 1996 tive a oportunidade de apresentar na Assembleia da República um documento intitulado “Pacto Educativo”, fi-lo ciente de que o futuro desenvolvimento da Educação em Portugal implicava um compromisso entre os principais parceiros do processo educativo. Um compromisso em que cada um dos seus subscritores procurasse continuar a desempenhar o seu papel sem quaisquer constrangimentos, mas dentro de um quadro de referência que permitisse estabilizar as políticas durante algum tempo, tendo em vista que as escolas, os professores e os pais não devem ser colocados permanentemente perante medidas de política que alteram, muitas vezes com algum significado, o normal funcionamento das escolas e dos processos educativos que ali se desenvolvem.

Diversificação e diferenciação

Às escolas portuguesas têm sido impostas nas últimas décadas quadros jurídicos e administrativos que em nada contribuem para que a gestão das escolas possa ser mais eficiente em relação aos resultados escolares dos alunos que as frequentam. É nesta perspetiva que a negociação de um compromisso que evite estas alterações permanentes me parece um passo importante para o trabalho que as escolas estão a realizar.

De uma coisa eu não tenho dúvidas. Apesar de todos os condicionalismos que envolvem as escolas portuguesas, os seus responsáveis têm sido capazes de globalmente melhorar o seu funcionamento, introduzir projetos inovadores que vão ao encontro de muitos dos problemas novos com que as escolas se confrontam e assegurar uma desejável abertura da escola ao meio circundante, designadamente no que diz respeito ao relacionamento com os pais, as famílias e as próprias empresas.

Cada escola é uma escola com as suas particularidades, os seus problemas, o seu corpo docente, a sua liderança e o seu projeto educativo. Sou um forte opositor dos modelos uniformizados onde cada escola é tratada como se fizesse parte de um todo homogéneo e não diversificado. A diversificação e diferenciação das escolas entre si é um fator de grande enriquecimento. E isto porque as escolas ao serem diferentes umas das outras exigem que estas tenham projetos educativos diferentes numa lógica de que o que é diferente deve ser tratado de forma diferente.

A negociação de um compromisso designadamente entre os partidos políticos não é uma tarefa fácil ! Sei por experiência própria quanto esforço é necessário para estabelecer pontes entre conceções que por vezes são muito diferentes. Mas também sei que o estabelecimento dessas pontes é uma tarefa indispensável para que as escolas, os professores, os alunos e os pais consigam viver num clima mais sereno do que aquele que resulta desta dissonância entre posições, muitas vezes artificial mas noutros casos justificada por questões ideológicas.

Algumas questões essenciais

No momento presente importa que, para além destas divergências ideológicas, os principais partidos e os parceiros privilegiados na educação das nossas crianças e dos nossos jovens se ponham de acordo quanto a algumas questões essenciais designadamente :
  1. Quanto aos critérios que presidem ao desenho da rede escolar dos ensinos básico e secundário ;
  2. Relativamente à prioridade à educação pré-escolar ;
  3. Quanto à gestão e financiamento das escolas do ensino não superior ;
  4. Em relação ao grau de autonomia destas mesmas escolas ;
  5. Quanto à seleção, recrutamento e contratação dos professores ;
  6. Relativamente à racionalização da rede e dos cursos de ensino superior ;
  7. Quanto à autonomia das universidades e dos politécnicos ;
  8. Relativamente aos critérios para o financiamento da investigação científica ;
  9. Quanto à promoção da translação do conhecimento entre as universidades e o tecido empresarial; e finalmente
  10. Em relação à internacionalização do ensino superior e à conceção deste como “produto de exportação”.
Trata-se de uma agenda pesada para uma negociação séria sobre o que se pretende fazer no futuro na área da Educação. Sou de opinião que é uma negociação que importa fazer com os cuidados devidos e sem limitações. Ou seja, se houver que alterar a Constituição ou a Lei de Bases, não penso que isso possa ser considerado como uma premissa de base. O que não concordo é com a ideia de que é preciso começar por modificar a Lei Fundamental ou a própria Lei de Bases para que se possam criar as condições em que as escolas funcionem de forma a que os seus alunos atinjam melhores resultados com menos insucesso e menos abandono escolar.

Um entendimento alargado

Dirão alguns que um compromisso para a Educação não é solução para o país. Seguramente que não, daí eu preconizar um entendimento alargado sobretudo entre partidos políticos tendo em vista evitar-se esta situação pouco salutar de um partido dizer na oposição o que não fez no governo, ao mesmo tempo que o governo não faz o que dizia na oposição ou que prometeu em campanha eleitoral.

O País atravessa um período crítico. Com “saída limpa” ou “menos limpa” a situação em que nos encontramos é delicada. É preciso que se encontrem os instrumentos que nos permitam voltar a ter esperança. Não a esperança que nos querem transmitir em vésperas de eleições, mas a esperança que resulta de uma estratégia concertada, negociada e compreensível para todos, que mobilize os portugueses e lhes restitua o gosto de viver neste país que é nosso e de que eu tanto gosto.

O que certamente alguns como eu pedem é que se fale verdade e se encontrem soluções para os reais problemas com que estamos confrontados. Temos que nos organizar internamente e não podemos continuar a querer mais do mesmo ou, pior, a querer voltar a um passado que não volta mais. A Europa é neste contexto uma peça importante e talvez decisiva para o nosso futuro coletivo. Muitas das soluções a estudar passam seguramente por um diálogo franco, mas duro no seio da União Europeia e dos países da Zona Euro. Mas se o país não falar a uma só voz, dificilmente ultrapassaremos muitos dos problemas que vamos ter pela frente no futuro próximo.

O resultado das políticas dos últimos três anos só serão avaliadas daqui por algum tempo. Não deixemos que o curto prazo nos impeça de equacionar o médio prazo (8-10 anos), que é aquele que mais nos importa preparar já que, no longo prazo, como dizia John Maynard Keynes, “no longo prazo estaremos todos mortos”.

O titulo, o subtítulo e os intertítulos são da responsabilidade da redação de Notas de Circunstância.